segunda-feira, fevereiro 28, 2005

Não fui eu!

- Não fui eu!, gritei quando entraram dois homens no meu quarto, e me acordaram subitamente. Não sei como entraram. Devem ter arrombado a porta. Estava a dormir, e a sonhar com ela. Não consegui ver-lhe a cara. Falava para mim, mas uma luz muito forte impedia que a visse. Se tentava olhar mais de dois segundos, uma dor aguda nos meus olhos fazia com que tivesse de olhar para o chão.

Ainda meio a dormir sou obrigado a vestir-me, e a entrar numa carrinha preta estacionada em frente da minha casa. Ao entrar digo ao motorista, “Não fui eu!”. “É o que todos dizem...”, replica-me. Fico em silêncio durante a viagem. Chegado ao destino sou obrigado a sair da carrinha, e a entrar num edíficio azul. Sou encaminhado para uma sala escura. No corredor encontro um homem bem vestido, que deduzi ser o Chefe ou o Director, porque todos os outros o saudavam respeitosamente, e disse, “Não fui eu!”. Olhou-me com ar de desprezo, e meio enojado pela minha presença.
-Levem-no!, gritou irritado.

Passei o resto da noite na sala escura, sozinho, sem nada. De manhã cedo entram na sala dois homens, desta vez fardados, e um diz-me: “Vais ser julgado hoje.” Óptimo, pensei. Poderei provar que não fui eu.
Chegado ao tribunal reparo que não tenho direito a advogado de defesa. O juíz diz-me que não há defesa possível no meu caso, mas mesmo assim pergunta-me se tenho algo a dizer. “Não fui eu!” repeti pela enésima vez. O juíz nem sequer ouviu, e setenciou-me a pena de Morte. Seria executado nesse mesmo dia.

Sou levado para um campo deserto, e o responsável pela minha execução pergunta-me se tenho algum desejo final.
-Não fui eu!!, exclamei uma vez mais.
-Matem-no, disse ele com uma indiferença arrepiante.
Sou colocado de costas, com uma venda nos olhos, e oiço alguém a gritar “Alto!”, e logo após um grande estoiro. Tarde demais. Tinha sido alvejado, e caí. Senti as forças a desaparecer, quando uma voz meiga e doce, a mesma do sonho, proferiu as últimas palavras que ouvi:
-Não foi ele...

2 comentários:

Anónimo disse...

Processo de Kafka. Identico. não sei se leste, mas é muito parecido... mas no fim não dizem alto...

xp disse...

Bravo Kimera!

Já li, e recomendo a toda a gente.

É dos meus autores preferidos!
Daí as parecenças.

Visitas aqui ao cú mulo da parvoíce a partir de 11/09/2007 porque perdi o outro antigo

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