segunda-feira, janeiro 10, 2005

VIH

Quando acordo não gosto de acordar. Sujo, com frio, com a pele presa do sangue seco. Não gosto de acordar. Tenho um ano de experiência mas ainda não me consegui habituar.
De manhã executo o procedimento habitual, gesto automático numa manhã que me sabe a azedo, podre e cheio de vontade que passe o tempo.
Tenho frio toda a noite, não me posso tapar. A roupa cola-se ao corpo coberto de sangue.
Mas tem de ser assim, tenho que ficar bom. Um dia hei-de acordar numa cama aconchegada e quentinha. Mas entretanto tenho que continuar a fazer o meu tratamento.

Que merda! Porquê eu?!

Na esperança de tirar o animal dentro de mim efectuo com a maior frieza a habitual mutilamento. Com a minha lâmina da sorte, fervida no bico do fogão esquartejo-me indolor ao rasgar da pele. Começo nos pés, acabo na cabeça.

Não gosto de acordar. Não gosto de dormir. Para ser franco não gosto de viver, mas não sou nenhum cobarde. Arrisquei, agora sou homem suficiente para carregar o peso de ser inconsciente.

Após um ano de esquartejamento já quase não tenho pele. Sinto-me fraco. Cada manhã me sinto mais tonto e com fraqueza tento aguentar-me um pouco em pé.

Limpo-me com um pano humedecido em água quente e espero. Na minha sala vazia, sento-me no canto. A minha poltrona espera por mim. Acendo um e faço com que aguente o maior período de tempo. Sentado, isolado do mundo, espero que anoiteça.

Amanhã é outro dia, amanhã possivelmente estarei bom. Amanha possivelmente estarei na mesma…

Avô Kimera

2 comentários:

xp disse...

Gosto realmente deste texto...

É mesmo muito bom!

Desculpa não fazer um comentário sobre o conteúdo, mas acho que o texto já está muito bom, pelo que qualquer comentário sobre o conteúdo só iria tirar qualidade.

Miriam Luz disse...

Olá...*
Desculpa não ter vindo para comentar o teu texto (nem li... =/) mas estou cheia de pressa. Prometo que quando passar este monte-de-problemas-que-viraram-meus-fãs, comento com mais frequência.
Quanto ao que aqui me trouxe, o teu comentário ao "Despedida"... estás lá perto mas ainda não me descodificaste. E tens toda a liberdade para comentar seja o que for: pessoal ou não pessoal. Se não fosse para ser lido não publicava, certoooo? És um querido... =')
Beijinhos!*

Visitas aqui ao cú mulo da parvoíce a partir de 11/09/2007 porque perdi o outro antigo

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