quarta-feira, dezembro 01, 2004

o palhaço pobre

Estou numa tenda, uma tenda gigante e cheia de cores, uma tenda enorme, tão grande que não consigo alcançar a napa que delimita o seu fim...até já experimentei correr mas ela nunca acaba. Não é uma tenda qualquer, é uma tenda mágica, onde se ri, chora, grita, resmunga..., uma tenda de sonhos em que tudo é possível e ao mesmo tempo tudo parece tão ensaiado e previsível... é uma tenda de circo...
«Venham meninos e meninas, o espectáculo vai começar, matiné aos domingos»...tudo mentiras, tudo maneiras de vos enganar. O espectáculo aqui nunca para, a tenda não dorme e as luzes não se apagam. E nem assim é menos especial....
Só há pouco tempo me apercebi que vivia nesta tenda, foi preciso sentar-me junto ao pó e inalar aquele cheiro a mofo e a algodão doce para que o conseguisse perceber. Não fiquei triste, nem tão pouco me surpreendi mas fique triste por saber que a velhota que faz as pipocas não é feliz e não pode fazer nada quanto a isso.
Ainda não me apresentei e peço desculpa por isso. Sou o palhaço pobre, não porque o destino me castigou mas por iniciativa própria. Desde pequeno que gosto de fazer os outros felizes. Mesmo que tenha de limpar as lágrimas, por umas pinturas baratas e beber um copo de absinto eu apareço debaixo das luzes quentes e sobre o pano colorido e gasto fazendo palhaçadas e sujeitando-me aos caprichos do palhaço rico, snobe, que parece sempre bem, o pseudo inteligente, que sabe tocar todas as notas do clarinete sem uma única falha (mesmo que ele nem chegue a soprar e seja o rapaz da cabine de som a faze-lo brilhar). E não me importo, nunca me importei. Não sabes o bem que um sorriso me faz...nunca soubeste. São os sorrisos que provoco que me fazem respirar, que me fazem levantar de manha e pegar na merda da chave-inglesa para ir arranjar o banco que o puto partiu no domingo, para ir dar comida aos leões sem que eles tenham feito alguma coisa por isso.... São eles que me fazem sorrir (parece impossível...quando sou eu que devia fazer sorrir!).
Mas adoro o que faço e espero que a hipótese de uma caravana melhor ou um lugar de destaque no alinhamento não me transforme num palhaço rico; num ilusionista, sempre bem posto (ao lado da esposa que o auxilia nos truques) e admirado por todos apesar de os enganar a cada truque que passa (a propósito são da mulher dele os gritos que ouvem à noite...ele bate-lhe); num trapezista, metido nos seus colants, a saltar de barra em barra sem saber se é na próxima que os seus olhos se vão fechar sem honra nem glória; num domador de leões que bate nos animais para rejubilo de todos (eles que são mesmo os seus únicos amigos); num homem da bilheteira, que fala com todos, todos mesmo sem nunca ver um sorriso nem um abraço sincero; num…, ou mesmo num… NÃO eu sou e serei sempre o palhaço pobre, eu até sei atirar umas bolas e brincar com umas massas mas prefiro utilizar isso para te fazer sorrir ou pelo menos rir. Vivo feliz, a minha roulote fica ao fundo, ali mesmo ao pé do portão…podes sempre passar por lá que eu recebo-te, sou simples…podes vir mesmo de chinelos e escusas de vestir o fato de domingo, basta-me que venhas tu, tu mesmo e não o trapezista, malabarista ou o ilusionistas que poderias um dia ter sido.

2 comentários:

xp disse...

Bom texto, e acima de tudo, ORIGINAL!!!

"Eu, no meu circo, faço de tudo!"
Não percebo porque é que a arte circense exerce tanto fascínio no 1Xis e 2H's, mas já não o podemos negar!

PS: Gosto do palhaço pobre, e também gosto muito dos trapezistas. Não consigo explicar porquê.

Luís disse...

É um sentimento bastante estranho este de todos nós. mas falando por mim...

Quando era puto não ia muito ao circo, não me exercicia qualquer fascinio. fui duas ou três vezes. mas é estranho este sentimento..

O circo deveria exercer sobre as crianças, os adolescentes e adultos o poder de alegrar. o poder de nos alterar o estado de espirito.
Contudo, cada vez que penso no circo penso nas pessoas e animais que lá trabalham e penso como tú se serão eles felizes.

Estranho este sentimento...

Visitas aqui ao cú mulo da parvoíce a partir de 11/09/2007 porque perdi o outro antigo

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