Ódio de perdição

Sempre detestei detestar o que sinto. Contudo, detesto sempre que sou obrigado. Detesto detestar, mas não sei como não o fazer.
São raras as vezes que sinto o que não devia sentir, mas não menos raras as vezes que detesto agir assim.

Detesto sentir-me sozinho. Contudo odeio a ideia de que me estou a sentir sozinho. Isto é, sinto-me sozinho mas sei que mais gente sente o que eu sinto. Ou seja, existem pessoas que têm o direito de se sentir sozinhas. Eu não. Tenho milhares de amigos, milhões de amizades, biliões de conhecidos, triliões de pessoas que não são nada mas que mesmo assim são alguma coisa para mim. Detesto sentir o que sinto.

Também detesto chorar. Gosto de chorar mas detesto ter de o fazer sempre que seja pelo simples motivo de chorar. Chorar é um acto que só devia ser permitido a algumas pessoas, de modo a diferenciar quem realmente precisa de chorar. Choro muitas vezes, choro por chorar, até choro de tanto rir. Detesto chorar a rir, não gosto de gozar com quem não tem motivos nem para sorrir. Milhões de pessoas tem de chorar por necessidade, a minha vida não me permite chorar, não há nem nunca houve uma razão suficientemente forte.

Detesto viver. Caminhar dia após dia, mês após mês para um final esperado. É como um caminho com um placa de abismo. Mesmo assim continuamos em frente. Tanto trabalho, estudo, dedicação. Tanto amor dado e desperdiçado. Deveriam existir excepções à morte. Pessoas que merecessem deviam ficar por cá o dobro da nossa vida, até estarem fartos de viver.

Detesto o que por vezes sinto mas não detesto o que sou.

Avô Kimera