quinta-feira, janeiro 27, 2005

Pesadelo

Hoje vivo na gruta mais a leste da minha vila. Vivo afastado de todos os homens e também de algumas mulheres. Isto é, vivo afastado de cerca de 50% das mulheres da vila.
A Vila de Rostrica é localizada no interior de Portugal. Ou seja, à volta de Portugal há uma linha, a fronteira, e Rostrica está no meio dessa linha. Logo, Rostrica está no meio ou no interior de Portugal. Não digo a exacta localização porque Rostrica não é mais nem menos do que as outras localidades que se denominam localidades do interior (creio que já perceberam a ideia).

Vivo sozinho e geralmente estou sozinho.
Hoje, depois de dar uma festa com 25% da população (uma vez que há tantas mulheres como homens), tomei um longo duche, necessário depois destas festas.

Sentei-me no meu cadeirão, acendi um cigarro e entretive-me a fazer círculos de fumo.
Com o roupão sobre o corpo vou até à rua.
Nesta tarde de Verão, sentado no chão olho as estrelas. Nunca estive tão calmo.

Com o sono a chegar pé ante pé, está na hora de terminar o dia.
À medida que giro 180º em torno de mim começo a ver a gruta e as paredes da montanha que a abrigam.

As paredes estão como não estavam à uma hora atrás. Enquanto dava a festa com as mulheres da aldeia, alguém vandalizou a minha casa.
Olho em redor e vejo espalhados pelo chão dezenas de corpos nus, cortados, mutilados, rasgados.
Nas paredes, escrito a sangue, podem-se ler pensamentos de alguém. “No dia de amanhã nada será como foi até hoje”, “Por baixo começa quem trabalha”. E espalhadas ao longo da parede se vêm várias letras soltas: i, i, p, t, p, r, o, a.

Ao longe, na escuridão da noite vêm-se pequenos pontos amarelos percorrerem a floresta. São tochas nas mãos de homens desvairados.
Como animais selvagens, arreganham os dentes e salivam de raiva.

A primeira pancada é na cabeça.

Acordo, tonto e dorido.

No cimo de uma falésia, crucificado a um pau, vejo o limite do oceano. O vento bate-me na cara fazendo com que acorde lentamente.

Untado com sangue vejo animais potentes pairando por cima da minha cabeça.

Na primeira picada levam-me um olho. Após a décima perco os sentidos…

1 comentário:

xp disse...

Isto é um magnífico exemplo de um texto Kimeriano!

Visitas aqui ao cú mulo da parvoíce a partir de 11/09/2007 porque perdi o outro antigo

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